Grupo une tradição do samba de raiz à identidade local e prova que a noite ‘morta’ da semana é, na verdade, um dos pontos mais vivos do calendário cultural da cidade.
JOÃO PESSOA – Depois de um fim de semana que viu a Vila do Porto transitar do forró alternativo (sexta) à catarse do punk/metal (sábado), seria de se esperar que a segunda-feira (03) fosse um dia de descanso e silêncio. O cartaz cor-de-rosa do “Sanhauá Samba Clube”, no entanto, propõe o exato oposto. Marcado para as 20h, o evento não é um acaso, mas um fenômeno.
O que leva um evento de samba a lotar uma casa cultural no dia mais improvável da semana? Analisamos quatro curiosidades que fazem deste evento um dos pilares da cena local.
1. A Curiosidade da Data: A Resistência da Segunda
Em qualquer cartilha de produção de eventos, a segunda-feira é evitada. É a noite “morta”, o retorno à rotina, o oposto do lazer. O “Sanhauá Samba Clube” rasga essa cartilha. Ao fixar seu encontro na segunda-feira, o grupo criou não apenas um evento, mas um ritual. Ele não compete com a agenda do fim de semana; ele a reinventa. Tornou-se o “ponto de cura” para a melancolia do início da semana, um encontro fixo para habitués, criando um público fiel que não busca apenas uma festa, mas um pertencimento. É um ato de resistência cultural que transformou o dia mais cinza no mais esperado por muitos.
2. O Selo de Origem: “Sanhauá”
O nome não é genérico. “Sanhauá” é o rio que margeia o centro histórico onde a Vila do Porto se localiza. É o berço da cidade de João Pessoa. Ao batizar o grupo de “Sanhauá Samba Clube”, os músicos fazem mais do que uma homenagem: eles criam um selo de denominação de origem. Este não é qualquer samba; é o samba que nasce e ecoa nas margens desse rio, impregnado da história e da geografia local. É uma declaração de identidade que conecta o ritmo, nascido no Rio de Janeiro e na Bahia, diretamente ao terroir paraibano.
3. A “Árvore de Pandeiros”: A Inovação na Tradição
Uma olhada atenta na foto revela uma curiosidade visual e sonora fascinante. Ao fundo, o percussionista toca em uma “árvore de percussão” — uma estrutura vertical customizada que empilha o que parecem ser tantãs ou repiniques de mão. Isso é a tradução perfeita do espírito do grupo: profundamente enraizado na tradição do samba (o pandeiro, o tantã), mas com um toque de “bricolage” e inovação. É uma solução criativa, talvez para otimizar espaço ou para criar uma sonoridade única, que se torna uma marca registrada visual e auditiva.
4. O Formato “Clube”: Mais que um Show, um Encontro
O evento se intitula “Samba Clube”, não “Show de Samba”. A distinção é crucial. “Show” implica uma separação clara entre palco e plateia. “Clube” sugere associação, proximidade, comunidade. A própria foto, com os músicos em um palco baixo, quase no mesmo nível do público, reforça essa ideia. O “Sanhauá” resgata a essência da roda de samba, onde a fronteira entre quem toca e quem canta junto é borrada. É um evento de participação, onde o público não é mero espectador, mas parte integral da música. A Vila do Porto, nesse contexto, deixa de ser uma casa de show e se transforma no quintal de casa.