Evento “6 Anos de Kaos”, da banda paulista Eskrota, revela a força do circuito independente nacional e o protagonismo feminino em cenas historicamente masculinas.
JOÃO PESSOA – Se na última sexta (31) os salões da Vila do Porto foram tomados pela síncope suave do “Forró na Caixa”, este sábado (1º) promete uma catarse radicalmente oposta. “6 Anos de Kaos”. remete ao punk e ao metal extremo, não deixa dúvidas: a noite será de distorção, velocidade e crítica social.
O evento, que celebra o aniversário da banda paulista, é um microcosmo que expõe facetas fascinantes do cenário musical “underground” do país. Analisamos quatro curiosidades que revela sobre a música pesada contemporânea no Brasil.
1. O Mapa do “Kaos”: Um Circuito Nacional
O line-up é, em si, um mapa. Temos a Eskrota (SP), Long Way Home (PB), Terror Fúnebre (RN) e Matriarkaos (PB). Isso desfaz o mito de que a cena “underground” é provinciana ou isolada. O que vemos é um eixo Sudeste-Nordeste consolidado, um circuito profissional de bandas independentes que viajam milhares de quilômetros para se apresentar. A celebração dos 6 anos da banda paulista não ocorre em São Paulo, mas na Paraíba, trazendo consigo aliados de outro estado nordestino. É a prova de uma rede coesa, autogerida e com notável capacidade de mobilização.
2. A Estética da Repulsa
Os nomes das bandas são um manifesto. Eskrota. Terror Fúnebre. Matriarkaos. Diferente do pop, que busca nomes palatáveis e fáceis de memorizar, a estética do punk e do metal muitas vezes busca o oposto: a repulsa. Ao adotar o “escroto” (algo vulgar, baixo, desagradável) como identidade, a banda Eskrota subverte o valor, transformando o que a sociedade rejeita em uma arma de expressão e orgulho. É uma tradição que vem desde o punk de 77, mas que aqui ganha contornos locais e atuais.
3. “Matriarkaos”: O Protagonismo Feminino
Em um gênero historicamente dominado por figuras masculinas, a presença da banda Eskrota — cuja linha de frente é composta por duas mulheres (guitarrista e baixista) — já é, por si só, relevante. O cartaz, no entanto, dobra a aposta ao incluir a banda “Matriarkaos”. O nome é um neologismo genial que funde “Matriarcado” com “Kaos” (Caos). É uma declaração política explícita: a tomada do espaço feminino não será ordeira ou pedindo licença; será caótica, barulhenta e disruptiva. Estamos testemunhando a consolidação de uma cena “crossover/thrash” onde as mulheres não são mais musas ou coadjuvantes, mas as protagonistas centrais.
4. A Vila do Porto como “Hub” Eclético
Pela segunda noite consecutiva, a Vila do Porto está no centro de um movimento cultural. No entanto, o contraste não poderia ser mais gritante. Ontem, o forró reinventado; hoje, o metal e o punk em sua forma mais visceral. Isso solidifica a identidade da Vila não como um espaço de gênero, mas como um “porto” de fato: um lugar que abriga o que é culturalmente relevante e independente, seja qual for a roupagem sonora. A capacidade de sediar, em 24 horas, eventos tão díspares, mas igualmente potentes, posiciona o local como um dos termômetros culturais mais importantes da cidade, um verdadeiro camaleão que se adapta para dar voz a todas as formas de vanguarda.